
Sexta à noite começou com uma pequena desilusão. A expectativa criada, essa tarde, pelo mail do Miguel era perfeitamente justificada. Afinal, basta relembrar o que foi o concerto dos TV on the Radio no SBSR, e entende-se que o facto de Kyp Malone, o carismático guitarrista que contribuiu para um daqueles momentos perfeitos, daqueles em que a semana anterior tinha sido tão generosa, ir actuar ao vivo nessa noite era uma oportunidade imperdível. Não conheço o seu trabalho a solo, mas tenho a certeza que qualquer pequena gota de água no oceano de talento dos TV on the Radio seria merecedora de atenção... e era a oportunidade perfeita de começar a noite. Tinha convencido o Jorge a ficar em Lisboa para Sábado, e informei-o (sem grande oportunidade de escolha) que iríamos ao concerto. Mas a excitação dessa tarde, recebida a notícia da actuação, não permitiu que nenhum de nós se apercebesse que, afinal, o concerto tinha sido na noite anterior.
Alguns dias antes, no Suave, estava a falar com o Pedro sobre os concertos, e ele disse-me que o guitarrista dos TV on the Radio tinha ficado por Lisboa, e estava a ficar em casa da rapariga que estava, naquela noite, a passar música. Anotei a informação, mas só quando, na sexta, recebi o mail do Miguel percebi que ele estava de facto por Lisboa, ainda. Esta sexta, desfeitos os planos, voltámos ao Suave. Tem sido fantástico, quer nos tempos de espera ansiosa pelo festival, quer agora, nestes tempos de saudades do que se passou, sair à noite, ir a sítios onde sabemos que quem está a passar música estava tão ansioso como eu antes do festival, e estará, agora, ainda tão deslumbrado como eu tenho que confessar que estou. Ando imerso em sentimentos contraditórios, e para me proteger do mundo exterior, a exteriorização desses sentimentos é uma luz difusa, muito diferente da claridade habitual. Tenho-me desligado, não por escolha própria, mas porque é assim que tenho reagido, não há uma explicação, não há uma escolha consciente. E a este progressivo desligar tem aumentado, numa direcção oposta, a reacção interna à música que ouço. Que me toca particularmente, e que me leva a viver cada letra, cada acorde, como se fossem os últimos que alguma vez vou ouvir, e que me mantém na cabeça, constantemente, uma qualquer melodia que nunca consigo desligar, e que nestes dias tem sido o que me faz sentir vivo, mais que o bater do coração, ou a respiração que tem dificuldade em ultrapassar a barreira que se formou nalgum ponto entre o meu nariz, a minha boca, e o meu peito. I'm lost in music, como nunca antes. Sair e ir a sítios onde passam a música que eu ouço, escolhida por alguém que não eu, dá-me sempre uma satisfação muito especial. E enquanto estou a ouvir a música, desligo-me das conversas, podia estar sozinho ali, naquele momento, e estaria bem. E esta sexta, no Suave, a música estava assim. Exagerada ao ponto de começar a ouvir o baixo de Ceremony, uma das (muitas) obras-primas de Ian Curtis, na versão dos New Order, são emoções a mais, daquelas que só a música me consegue dar nos últimos dias, mas ampliadas a um nível em que começo a duvidar se existe algo mais que consiga ter a mesma força. Depois de uma ou duas horas acabámos por ir ao Incógnito. E sei que iria ouvir coisas que já tinha ouvido no Suave, e tantas outras, mas não estava preparado para a surpresa que teria, ver as paredes decoradas com versos dos Interpol. Logo os Interpol, logo onde nunca o desencanto e o desespero foram tão belos, tão sinceros, tão vividos. Foi nestes versos que me refugiei do mundo no dia em que vi os TV on the Radio, e os Interpol ao vivo, foram eles que me mantiveram vivo, acordado, nesse dia, foi neles que revivi tudo o que se estava a passar comigo. E agora a cada esquina, a cada novo pedaço escondido de parede, confrontam-me, agridem-me, ajudam-me a recordar, a sentir, como se não houvesse fuga possível. Ou apenas uma...
Tal como o Super Bock poderia apenas ter terminado assim (porque eu quis que terminasse assim, porque não quis arriscar a que os Underworld adormecessem a magia daquela noite, vencida pelo meu cansaço), com os Interpol, esta noite podia apenas ter terminado assim. O acaso teima em levar-me ao encontro das pessoas com quem me tenho desencontrado, e nesta noite teimou em fazer com que me cruzasse com Kyp Malone, o próprio, em direcção ao Incógnito muito provavelmente, de onde eu tinha acabado de sair. Com a satisfação de saber que também ele se ia cruzar com os Interpol, mais uma vez, nesta noite. Posso sempre dizer que esta foi a noite em que vi Kyp Malone, ao vivo, pela segunda vez.
Próxima paragem: Arctic Monkeys, quarta-feira à noite...

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