Mais um momento de magia. Momentos em que a última semana foi pródiga, dos que nos fazem sonhar, ter medo, entrar em êxtase, em histeria. Momentos pelos quais, tenho que admitir, ansiava já há algum tempo. Que me mantiveram com um nervoso no estômago, que foi piorando até se tornar em insónias nas noites anteriores. E do qual guardo recordações que não vou esquecer nunca, novas paixões, novos sons que me vão deixar fora da minha cabeça por muito tempo, certamente, depois destes dias.A preparação começou com a antecedência necessária à preparação dos grandes momentos. Esta passou por reunir, religiosamente, as discografias de todos quantos iam ter oportunidade de pisar o palco do Super Bock Super Rock deste ano de 2007.
Descobrir algumas bandas que ainda não tinha tido oportunidade de descobrir, redescobrir algumas com as quais tinha tidos contactos algo efémeros, ou pouco aprofundados, ouvir até à exaustão aquilo que me tem ocupado nos dias que correm (e se há dias que correm...), ou reatar uma relação algo perdida com uma das paixões da adolescência, que adormeceu no tempo sem eu dar por isso, e da qual sentia umas saudades de que nem me tinha apercebido. De todos eles ficaram marcas, profundas, claras, nítidas, contrárias aos sentimentos que me despertam aquelas três noites mágicas, de sonhos e sons difusos, de confusão de acordes, de palavras, de imagens, de uma multidão aos saltos a viver, comigo, os momentos únicos da totalidade daquelas noites. Vai ser difícil a objectividade da análise, como vai ser difícil fugir ao meu exagero habitual de adjectivos.
Decidi ir, com o Miguel, ao dia em que actuavam os Metallica. Não sabíamos se haveria que tratar de pulseiras (não era o caso), queríamos (re)descobrir os cantos à casa e, aproveitar o momento para ver ao vivo, pela primeira vez, uma das bandas importantes da minha infância. Não, não é deste reencontro que falei no início do texto, este não teve metade da magia, e serviu para, definitivamente, enterrar as minhas primeiras experiências musicais. Chegámos a tempo apenas de ver os Metallica e, sinceramente, foram uma grande desilusão. Esperava-o, mas não pelos motivos que acabaram por se revelar. Esperava músicas recentes, afinal desde o Black Album que não houvia nada deles. Foi um álbum importante, aos meus 12 anos, é um facto. Não tanto como os anteriores, mas importante. E eram, na altura, uma das minhas bandas preferidas. Perder o contacto com uma banda durante mais de 10 anos fazia-me prever um concerto de meia dúzia de músicas conhecidas, e um desenrolar infindável de músicas que nada me diriam. O resultado foi um desenrolar infindável de músicas, conhecidas, mas que nada me diziam já. Mesmo as músicas pelas quais mais esperava, como Fade to Black, Master of Puppets ou One não me tocaram particularmente. Conhecia todas as músicas ainda com uma claridade impressionante, sabia grande parte das letras, mas não as conseguia situar em termos de albuns ou nomes, foi estranho, desligado. A somar a isso, não estou habituado a palcos grandiosos, a fogo de artifício, a espectáculos que distraem da música e que, neste caso, distraem de alguma falta de profundidade de sentimentos (apesar de violentos, são demasiado superficiais), de profundidade da composição, da estrutura musical. Admirei-me ainda mais por terem tocado uma, no máximo duas, músicas posteriores ao Black Album. Mais um contributo para a estranheza de todo o concerto, e para a minha desilusão. Não voltei, agora, a ouvir nada deles, mas esperava sentir a magia que sentia, em criança (just kidding), por eles. E assim se queimou, definitivamente, o livro do metal na minha vida, há longos anos fechado nas trevas.
Fazendo fast forward de alguns dias de antecipação quase doentia, começam os dias realmente importantes, os que me deixaram sem dormir, os que conseguiram reunir, em três noites, algumas das bandas mais importantes no (meu) panorama musical. O iPod não tinha rigorosamente nada que não viesse ao Super Bock, quando já não sabia o que havia de ouvir, bastava perguntar ao Luís, que ele sabia... Esteve longe da capacidade o iPod, nesses dias. Como eu, que estava longe de me fartar de esta sempre a ouvir as mesmas coisas.
A começar por uns rapazes, cujo único álbum até agora, consegue transpor os seus temas mais ou menos místicos para um som bastante enérgico, na atitude muito inglesa de misturar a cultura rave num som rock, que soa a pop, e a piorar a coisa, fica no ouvido. Tenho ouvido o Myths of the Near Future, e gosto das letras, da agressividade brilhante, caótica, com momentos muito inspirados. Foi um concerto simples, directo, sem a grandiosidade de algumas das músicas do álbum, mas bastante competente. Na minha opinião, não serão mitos de um futuro muito longínquo (sorry lads), mas o presente é bastante bom, e foi um concerto que deu início, da melhor maneira, à maratona que se seguiu.
Gostei muito do primeiro álbum dos Magic Numbers. Quase tanto como a rapidez com que o pus de lado. E como a indiferença com que ouvi o segundo álbum e senti que não trazia muito de novo. Não têm, nem de perto, o brilhantismo de uns quantos rapazes de Glasgow neste tipo de música. As composições são algo simples (apesar de bonitas), as letras não encantam, apenas dizem que o amor é bonito, a vida bela, de uma maneira que todos sabemos que, de facto, é verdade, e o seu visual demonstra que, tivessem ouvido as músicas certas, lido os livros certos, até podiam criar alguns grandes momentos musicais. Competentes ao vivo, conseguem transmitir bem a mensagem, e os sentimentos das músicas, e brindaram-me ainda um segundo regresso ao passado, ao tocarem num medley final parte do Night Train dos Guns N' Roses. Não me tocaram particularmente, e provavelmente a culpa nem foi deles, foi do resto do cartaz. Uma das duas bandas "principais" do festival que menos curiosidade tinha de ver. Não desiludiram...
E começa um dos momentos grandes destes dias, os Bloc Party. Desiludiram-me com o segundo álbum, e nem uma música inspirada no Less than Zero, um dos meus livros de culto, do meu escritor de culto, consegue salvar o que considero um álbum apenas razoável. Principalmente depois de um primeiro álbum tão brilhante como Silent Alarm. Ao vivo, no entanto, as músicas do segundo álbum resultam muito melhor que no álbum. A energia, a bateria omnipresente, a voz de Kele, a velocidade, foram momentos de descarga pura de adrenalina, de uma banda muito consciente da dimensão que adquiriu, e de como adquiriu essa dimensão, com um som, mais uma vez, muito britânico, mas com uma força inquestionável. Saltei bastante, gritei bastante, foi um grande concerto.
A noite acabou com o que considero um dos grandes concertos do festival. A Susana não deixa de ter razão, o Arcade Fire estão a um nível demasiado alto, e o concerto perde alguma da espontaneidade, tem uma precisão milimétrica, está demasiado próximo da perfeição. Eles são muito bons, sabem-no, e este concerto não vi neste palco metade do caos que vi no palco de Paredes de Coura, há dois anos, quando os vi pela primeira vez. Todo o concerto está estudado ao pormenor, nenhum detalhe é deixado ao acaso, foram até um pouco arrogantes quando, no final das músicas, todas as pessoas continuaram a cantar as músicas mas... a verdade é que foi um concerto brilhante, onde nenhum detalhe foi deixado ao acaso, onde toda a orquestração (porque tocam como se de uma orquestra se tratasse), se conjuga numa violência perfeita, difícil de descrever, difícil de destacar um ponto forte e onde, certamente, não há pontos fracos. Espero que não se percam antes do lançamento do próximo álbum, antes do próximo concerto que eu veja deles. Estão no topo das suas capacidades (since the word go, com aquele primeiro álbum), é preciso que deixem o caos reinante na composição das músicas de Funeral não esmorecer. Porque são, de facto, uma das melhores bandas da actualidade, em disco ou ao vivo.
Another day, another time, another way for the moment, watch it for a sign. O dia começou atribulado, com uma chegada tardia que me fez temer não ver uma banda muito especial, com um rapaz que tem uma voz muito especial, com um primeiro álbum muito especial. Adoro Clap Your Hands Say Yeah! Queria ter visto os Rapture, gosto bastante do segundo álbum, e tenho curiosidade de os ver ao vivo, mas nem me importei tanto com o facto de terem cancelado o concerto, porque o programa se atrasou e vi os Clap Your Hands. E aquele rapaz, de boina, de voz desesperada, num falsete desafinado, hipnótico, consegue com uma simplicidade extrema passar para nós o sofrimento que lhe vai na alma. E de uma maneira tão bela quanto a sua voz insólita toma conta de nós, e nos envolve, e nos leva a bater palmas, mesmo quando não temos mais sonhos a que nos agarrar. Nem dinheiro. Adorei.
Antes dos Clap Your Hands Say Yeah!, tive oportunidade de assistir ao fim do concerto dos portugueses Linda Martini. Tinha que falar deles, porque gostei bastante. Ouviram muito shoegazing, My Bloody Valentine, quem sabe Band of Susans ou Swervedriver. Fizeram bem, não estão nada mal. E conseguir cantá-lo em português não deve ser nada fácil.
De seguida os Maximo Park. Não trazem nada de novo a meu ver, o primeiro álbum tem músicas bastantes boas (mas poucas), e quer o restante, quer o segundo álbum, não... Ao vivo, também não resultaram na perfeição, apesar do incansável Paul Smith (que apesar de não desenhar roupa, cantou com um very british hat), de uma simpatia extrema. Alguma coisa falta ao seu som, ou às músicas, ou ao conjunto. Parecem-me um bocado presos ao estereótipo da banda de guitarras inglesa que quer pôr toda a gente a cantar os refrões em Glastonbury. Não sei, até queria ter gostado mais do concerto, mas foi normal (o que dentro dos padrões que tenho que tentar impôr neste SBSR, não é nada mau).

E começa a magia. Da que eu não consigo, infelizmente, criar, daquela que esmaga, que nos faz sentir pequenos e perdidos, daquela que nos dá asas e nos leva a voar para outros universos. Este foi o grande reencontro, que não julgava possível (tal como os Pixies), e que se tornou realidade. Na altura, não tinha os álbuns deles (nem sempre era fácil, numa época em que não havia mp3... mp3? Nem CDs havia...), tinha algumas músicas perdidas em cassetes, tinha a memória de ouvir os álbuns, tinha o Just Like Honey como uma das músicas mais marcantes na minha cabeça, tinha a depressão, a que somos tão permeáveis na adolescência (e não só), a brutalidade de uma beleza indescritível, uma brutalidade que me levou a sentir mal disposto, a querer viver a minha vida toda naquele momento, a não me importar de morrer. Foi irreal, e dificilmente consigo fazer uma descrição racional do que vi durante o tempo em que estiveram em palco, porque não estive lá, porque andei a mergulhar na obscuridade de um tempo que parece já não existir, porque eu quase não aguentei aquele concerto. Por tudo. Sem dúvida não foi, nunca, mais mágico que isto.
E para terminar o dia novamente numa nota muito, mas muito, alta, James Murphy, o próprio, como só ele sabe fazer. Como só ele canta, como só ele nos atira para cima a sua estante de muitos milhares de CDs. Talvez o primeiro caso de mosh desde o concerto dos Metallica, talvez o primeiro justificado. Porque um concerto dos LCD Soundsystem é sempre um momento esquizofrénico, porque não é rock, não é electrónica, porque estão muito no controlo do seu jogo, mas continuam de uma simplicidade arrebatadora. Não levamos a mal se James entrar depois dos restantes elementos para receber os aplausos, porque ele merece, porque continua ele próprio, de quem admite que está a perder a vantagem para os putos que têm uma compilação de todos os grandes hits dos anos 60. Porque James não precisa, tem na sua cabeça a compilação de toda a grande música feita por todas as pessoas, desde sempre. E porque a transforma naquela que é alguma da melhor música, e mais importante música feita nos dias de hoje. E porque adora Fall e eu também, e porque, a terminar o concerto mais explosivo deste SBSR, ainda nos brindou com No Love Lost, a recordar um Ian Curtis que só lhe pode ser muito querido, como o é a mim. Tal como os LCD são um dos bens mais preciosos dos dias de hoje. Para acabar um concerto onde todas as músicas foram levadas ao extremo da violência, só podíamos ser brindados com uma versão ainda mais bonita, mais Broadway, mais Manhattan de New York I Love You, But You're Bringing me Down. Um dia como este só podia ter terminado num momento como este.

O último dia guardava ainda algumas surpresas, e a antecipação de mais momentos muito especiais era enorme. Começou com os Gossip, que não consigo evitar olhar para como os outros olham, como um freak show. O que é pena, porque o Standing in The Way of Control é um álbum brilhante, punk sem pretensiosismos, simples, directo e inteligente. Com mensagem, como todo o punk deveria ter. Um concerto punk no seu melhor estilo, uma voz incrível, uma simplicidade de ter uma bateria, um baixo ou uma guitarra, e a prova que o punk, feito com inteligência, é uma das melhores armas para acabar com a indiferença.
E de seguida, mais magia. Tinha muita curiosidade em ver os TV on the Radio ao vivo, mas nada, nada, me podia preparar para o que foi o concerto deles. All your dreams are over now, and all your wings have fallen down. Mas não me importava, já nada importava, só a música. E que música. A influência artística contemporânea em todo o som, as imagens, as metáforas, as letras, a impossível força de tudo o que é transmitido, os movimentos. Uma revelação, depois da revelação que já tinham sido os álbuns, desde o "Desperate Youth, Blood Thirsty Babes", brilhante desde o título até à última música, e que o Eduardo tão rapidamente me impingiu assim que os descobriu, até ao mais maduro, mais complexo, mais denso, mas igualmente brilhante Return to Cookie Mountain. O seu som ao vivo é de uma mestria imensa, uma parede de distorção fascinante a cobrir toda uma profundidade raramente encontrada. Esteve muito talento naquele palco naqueles dias, mas dificilmente atingiu um nível tão completo. A grande surpresa, não esperava um concerto destes num final de tarde daqueles. Staring at the Sun, até este se pôr por trás do palco.
Seguiram-se os Scissor Sisters, pelo quais confesso já ter nutrido uma maior admiração. Nomeadamente depois do grande concerto que deram no Lux, há uns anos atrás, depois do primeiro álbum. O segundo ouvi-o uma ou duas vezes, e não me diz muito. Adoro a mentalidade completamente aberta, a sua desinibição em palco, a sua falta de hipocrisia, o facto de adorarem drogas, sexo, e de gostarem que toda as pessoas saibam disso. Agora, a música... Continuam a conseguir encantar em dois extremos opostos, baladas como Mary, ou músicas a abrir como Filthy / Gorgeous, mas o in-between é penoso. E músicas como I don't Feel Like Dancing não me aquecem nem arrefecem, sinceramente. Mas foi uma boa maneira de me entreter, e tentar esvaziar a cabeça para o que viria a seguir...
E veio em grande. Não sei como é que não pus os Interpol no meu post de bandas preferidas. Porque o são. E o Turn on the Bright Lights é um dos álbuns mais brilhantes de todos os tempos. E os Interpol são, ao vivo, uma experiência tão intensa como todo aquele brilhante primeiro álbum. Como os brilhantes Antics e Our Love to Admire, como todas as influências se fundem num som único, e numa capacidade de escrever canções que, claramente, não está ao alcance de nós, meros mortais. E de as tocar ao vivo com uma precisão, com uma intensidade, com uma alma, que conseguiu fazer esquecer tudo o resto, que fez viver cada momento de cada uma daquelas músicas como se não existisse o resto do mundo, como se não existisse um dia seguinte, como se tudo tivesse começado ali, naquele momento, naquela perfeição, naquela guitarra. Não vou escrever mais sobre eles, porque não me sinto capaz. Porque fiquei rendido, completamente, aos meus sonhos, todos, naquele momento. Porque todos os desabafos, angústias, desesperos do Paul desabaram sobre nós durante aquele concerto. Porque por trás da luz azul, mágica, da primeira fotografia deste post, se escondiam os Interpol.
As fotos são da Susana, a quem quero agradecer por me deixar pô-las aqui. E por me ter aturado durante estes dias...

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